
Introdução
Você já percebeu que, apesar de tantos avanços na medicina, as mulheres ainda morrem mais de doenças cardíacas do que de câncer de mama? E que muitas vezes o diagnóstico de infarto, diabetes ou hipertensão nelas é feito mais tarde, com consequências mais graves? A saúde cardiometabólica da mulher é um dos maiores desafios de saúde pública do século 21 — e ainda sofre com a falta de estudos específicos e protocolos feitos para o universo feminino.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, doenças cardiovasculares são a principal causa de morte entre mulheres no mundo, superando inclusive o câncer. No Brasil, dados recentes do DATASUS mostram que quase uma em cada três mulheres vai morrer de algum problema do coração ou complicação metabólica. Mesmo assim, o imaginário coletivo ainda associa infarto, colesterol alto e diabetes a um “problema masculino”.
Esse olhar enviesado não é por acaso. Durante décadas, ensaios clínicos, guidelines e tratamentos foram desenvolvidos com base em populações masculinas, e as diferenças fisiológicas e hormonais das mulheres foram ignoradas. Resultado: diagnósticos tardios, tratamentos menos eficazes, falta de prevenção e aumento do risco de morte. A lacuna de conhecimento é ainda mais gritante quando falamos de fases críticas da vida feminina, como a menopausa, gestação ou uso de anticoncepcionais.
Por isso, entender a saúde cardiometabólica da mulher, suas especificidades, desafios e as razões pelas quais precisamos de mais estudos com mulheres é fundamental não só para quem cuida da própria saúde, mas também para médicos, pesquisadores e gestores.
O que é Saúde Cardiometabólica?
A saúde cardiometabólica vai além do cuidado com o coração. Ela abrange um espectro de condições que incluem doenças cardiovasculares, como infarto, AVC, insuficiência cardíaca, além de doenças metabólicas como diabetes tipo 2, síndrome metabólica, obesidade, hipertensão e dislipidemia (alterações do colesterol e triglicerídeos).
O conceito de saúde cardiometabólica integra fatores como glicemia, perfil lipídico, pressão arterial, circunferência abdominal, índice de massa corporal, força muscular e até marcadores inflamatórios. No caso das mulheres, esse olhar deve ser ainda mais amplo, pois questões como ciclo menstrual, fertilidade, gestação e menopausa influenciam fortemente todos esses parâmetros.
Ter uma boa saúde cardiometabólica significa muito mais do que apenas “ter o colesterol controlado” ou “não ser diabética”. Envolve qualidade de vida, autonomia, bem-estar emocional e prevenção de eventos incapacitantes. E é aí que mora a grande diferença: os fatores de risco clássicos não impactam homens e mulheres do mesmo jeito — e, em vários casos, nem são os mesmos.
O que Torna a Mulher Única do Ponto de Vista Cardiometabólico?
As mulheres possuem um perfil hormonal, metabólico e fisiológico completamente distinto dos homens. O ciclo menstrual, a gestação e a menopausa marcam fases críticas na vida feminina e alteram profundamente o metabolismo, a distribuição de gordura, a pressão arterial e a resposta do corpo ao estresse.
Durante o período reprodutivo, os hormônios femininos, especialmente o estrogênio, oferecem uma espécie de “proteção natural” contra a formação de placas de gordura nas artérias, o que faz com que mulheres em idade fértil tenham, em geral, menor risco de eventos cardiovasculares do que homens da mesma idade. Mas esse cenário muda drasticamente após a menopausa.
Na menopausa, ocorre uma queda abrupta nos níveis de estrogênio, e as mulheres passam a perder essa proteção hormonal. O resultado? O risco de infarto e AVC aumenta, a gordura se acumula mais na região abdominal, o colesterol “ruim” (LDL) sobe, o “bom” (HDL) tende a cair, e a resistência à insulina se torna mais frequente. Além disso, a menopausa está associada ao aumento do risco de osteoporose, sarcopenia (perda de massa muscular) e até alterações cognitivas.
Essa transição, que pode durar anos (perimenopausa), traz sintomas que vão muito além das famosas ondas de calor: insônia, alteração do humor, fadiga, ganho de peso e, sobretudo, aumento do risco cardiometabólico. Ou seja, entender essas fases é essencial para cuidar melhor da saúde da mulher em todas as etapas da vida.
Por Que Estudos sobre a Saúde Cardiometabólica da Mulher São Essenciais?

Historicamente, a medicina foi construída em cima do corpo masculino. Mulheres eram consideradas “pequenos homens com útero”, e suas particularidades raramente eram contempladas. Durante muito tempo, mulheres foram excluídas de ensaios clínicos com o argumento de que seu ciclo hormonal “dificultava a análise dos dados”.
Isso resultou em uma lacuna enorme de conhecimento: os tratamentos, doses e protocolos que funcionam para homens podem não funcionar — ou até fazer mal — para mulheres. Estudos mostram que mulheres têm mais efeitos colaterais a certas medicações cardiovasculares, apresentam sintomas diferentes de infarto, e respondem de modo distinto a intervenções como angioplastia ou reabilitação.
Além disso, eventos únicos como gestação, puerpério e menopausa nunca entraram no radar dos grandes estudos cardiometabólicos. Um exemplo: mulheres com histórico de pré-eclâmpsia, diabetes gestacional ou síndrome dos ovários policísticos têm risco muito maior de desenvolver doenças cardiovasculares na meia-idade, mas esse grupo segue subdiagnosticado e subtratado.
Ou seja, sem estudos desenhados para mulheres, seguimos voando às cegas — tratando sintomas em vez de causas, deixando de prevenir doenças, atrasando diagnósticos e aumentando o risco de complicações. A necessidade de mais pesquisas específicas é urgente.
Sinais e Sintomas Cardiometabólicos nas Mulheres: O que a Medicina Ainda Ignora
Você sabia que a maioria das mulheres não apresenta dor no peito clássica durante o infarto? Muitas chegam ao pronto-socorro com sintomas atípicos: falta de ar, náusea, dor no maxilar ou nas costas, sudorese intensa, fadiga inexplicada ou até palpitações. Como esses sintomas são facilmente confundidos com ansiedade, crise de pânico ou até problemas gastrointestinais, o diagnóstico acaba sendo retardado.
Além disso, sintomas de doenças metabólicas, como diabetes ou hipotireoidismo, também podem se manifestar de forma mais insidiosa e menos típica nas mulheres. Não é raro ouvir relatos de mulheres que foram de médico em médico com queixas de “cansaço”, “desânimo” ou “inchaço” até receberem um diagnóstico correto.
Na menopausa, o cenário se agrava: ondas de calor, insônia, irritabilidade e alterações de humor podem mascarar quadros de depressão ou ansiedade. O ganho de peso abdominal é frequentemente atribuído à idade, quando pode ser o primeiro sinal de aumento do risco cardiovascular.
A ausência de protocolos específicos para a avaliação de risco em mulheres, especialmente na pós-menopausa, contribui para o subdiagnóstico. O olhar atento para os sintomas “não clássicos” é fundamental para reverter esse quadro.
Doenças Cardiometabólicas Mais Prevalentes ou Peculiares em Mulheres
As mulheres não só apresentam fatores de risco próprios, como também algumas doenças são mais prevalentes ou se manifestam de forma distinta nelas. Veja alguns exemplos:
- Síndrome metabólica: Mais comum após a menopausa, com acúmulo de gordura abdominal, hipertensão e dislipidemia.
- Diabetes tipo 2: O risco aumenta significativamente após a menopausa, principalmente em mulheres que tiveram diabetes gestacional ou síndrome dos ovários policísticos.
- Hipertensão arterial: Pode se agravar ou aparecer pela primeira vez no climatério e menopausa.
- Dislipidemia: O perfil lipídico se altera, com aumento do LDL, redução do HDL e elevação dos triglicerídeos, elevando o risco de infarto e AVC.
- Doenças autoimunes: Lúpus, artrite reumatoide e outras doenças autoimunes são mais frequentes em mulheres e aumentam o risco de complicações cardiovasculares.
- SOP (Síndrome dos Ovários Policísticos): Associada a resistência à insulina, obesidade central e maior risco cardiometabólico a longo prazo.
- Endometriose: Estudos recentes mostram que mulheres com endometriose têm risco aumentado de doença coronariana, especialmente após a menopausa.
Além disso, fatores ligados à saúde reprodutiva — como idade da menarca, número de gestações, histórico de aborto espontâneo e amamentação — também influenciam o risco cardiometabólico, mas ainda são pouco estudados.
Resistência à Insulina e Diabetes
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